Tribunal ideológico style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever"> O governo federal, nesta semana, anunciou que irá constituir uma espécie de "tribunal ideológico" para retirar determinadas questões do Enem. Olhar para esse tipo de fenômeno é importante, pois demonstra, de diversas formas, a concepção do governo em relação ao livre pensamento e, principalmente, às ciências humanas, que são justamente as áreas mais afetadas. Com esta proposta, o governo explicita e normatiza o que já vem fazendo, que é retirar alguns pontos de vista que não considera adequados. CONHECIMENTO PLURAL Quando pensamos em jovens e no papel da escola enquanto espaço de construção do conhecimento, é impossível não ver a postura do governo com profunda tristeza. O conhecimento é uma arena de disputa de versões. A ciência, ao contrário do que muitos pensam, não produz verdades, mas versões aproximadas da realidade. Por serem aproximadas, permitem níveis de divergência, e no que tange às ciências humanas, que engloba a subjetividade humana contextualizada através de elementos históricos, sociais e geográficos, o debate é bastante amplo e de difícil resolução. Se formos considerar qualquer evento histórico, existem diferentes narrativas para explicá-lo. O fato de existir o divergente não invalida a ciência, mas exige que esses pontos de vista devam ser apresentados e explicados aos alunos. Ampliar o debate envolve a produção de maturidade e compreensão de como o conhecimento é produzido, além de trazer para dentro da sala de aula o debate relativo à produção de conhecimento. Portanto, a solução contra o enviesamento do conhecimento é ampliar o debate e não reduzi-lo, como tem feito o governo. "ESVAZIAMENTO" IDEOLÓGICO Essa posição do governo, como bem explicitada em campanhas, está relacionada à ideia de "escola sem partidos". É uma cruzada ideológica, que tem como argumento acabar com a ideologia em sala de aula. O interessante que ideologia, enquanto forma de construção de ideias, conceitos e valores, é justamente a forma de atuação do governo. Podemos verificar que, do ponto de vista da educação, o Enem está sendo aparelhado para reduzir as questões naquilo que o governo considera ideologicamente adequado. O problema é que, além de ser terrível do ponto de vista da pluralidade de pensamento, não é claro enquanto seus critérios. O que impede, inclusive, o direcionamento dos estudos dos alunos. Em suma, é uma tragédia em vários níveis.
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A atualidade de John S. Mill style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever"> Ao lado de Charles Darwin, John Stuart Mill (1806-1873) foi um dos escritores britânicos mais influentes do século 19. Curiosamente, sua obra prima "Sobre a Liberdade" foi publicada em 1859, mesmo ano em que Darwin lançou "A Origem das Espécies". Enquanto Darwin anunciava as bases de sua polêmica teoria da evolução, Mill tratou de temas relacionados à política e à moral. Lembremos que, ao contrário da França, que após a Revolução de 1789 vivenciou, durante o século seguinte, uma série de movimentos internos violentos e deposição de governantes, a Inglaterra experimentou uma estabilidade política e um desenvolvimento industrial sob os auspícios da rainha Vitória e de seus primeiros-ministros. Foi neste ambiente democrático, de alternância pacífica no poder parlamentar, que John Stuart Mill viveu. O tema central de "Sobre a Liberdade" versava sobre a formação da opinião pública. O autor estava preocupado com uma questão que já havia sido elaborada por Tocqueville em suas viagens à América: poderiam as democracias estarem condenadas a se tornarem uma espécie de "ditadura da maioria"? Mill concluiu que tanto Inglaterra quanto Estados Unidos estavam ameaçados por uma forma mais amena de repressão, a qual ele mesmo nomeou de "tirania da opinião". Ele estava interessado na pressão não oficial que a opinião pública poderia exercer em uma sociedade de massa. Eis o pioneirismo de Mill: "Sobre a Liberdade" é o primeiro livro a tratar da formação da opinião pública, antes da emergência dos meios de comunicação de massa do século 20, como cinema, rádio, televisão e internet. UTILITARISMO A filosofia moral de John Stuart Mill levou o nome de "utilitarismo". Ele partiu do pressuposto de que todos os seres humanos são inclinados à busca de sua felicidade. Desta forma, o princípio da maior felicidade seria o teste tanto para a política social quanto para a felicidade individual. Para o autor, a democracia certamente era a forma mais justa de governo, tendo em vista que governantes e governados são as mesmas pessoas. Uma sociedade seria mais evoluída quando tornasse possível a felicidade da maior parte de seus membros. FELICIDADE Mas em que consiste a felicidade? Mill parte da definição clássica de que esta consiste no prazer e na ausência da dor. Mas não entendam a palavra "prazer" como algo vulgar. O autor distinguiu prazeres superiores e prazeres inferiores. Desta forma, concebia a felicidade como uma espécie de enriquecimento da experiência humana. Muitos críticos associaram o utilitarismo de Mill a uma espécie de "coletivismo", no qual os indivíduos abririam mão de suas liberdades em prol da felicidade geral. Nada disso. O utilitarismo de Mill representou uma tentativa de harmonização dos interesses sociais com as liberdades individuais. Desta problematização, vem seu enunciado mais famoso: "Se toda a humanidade tivesse a mesma opinião e só uma pessoa fosse contrária, a humanidade não teria mais justificativa para silenciar essa única pessoa do que ela, se tivesse esse poder, teria para silenciar a humanidade". |